Sobre viagens no tempo, Deloreans, e o dia em que Paul Mccartney conheceu John Lennon

Ficção científica nunca foi um tema que me agradou muito. Acho que isso fica bem claro quando eu percebo que eu nunca assisti nenhum Star Wars inteiro, provavelmente o filme mais basicão do gênero (o que me incomoda um pouco, já que aparentemente 90% da produção audiovisual americana faz referência a Darth Vader e cia, deve ser algum projeto de lei dos Estados Unidos que acabou sendo aprovado sem querer em um dia com baixo quórum na câmara, ou então uma das regras do edital de algum tipo de Lei Rouanet dos Estados Unidos que obriga as produções a citarem a obra de George Lucas para receberem incentivo fiscal. É, deve ser isso.). O mais perto que cheguei de curtir esse tipo de ficção foi com De Volta Para o Futuro.


Tirando o fato de que qualquer história que tenha carros voadores com portas que abrem pra cima em vez de para o lado e skates flutuantes automaticamente vai ser uma história que eu vou me amarrar, a trilogia de McFly é irada porque trata do tópico que mais me fascina em sci-fi: viagem no tempo.


É algo universal, imagino. Qualquer um já deve ter passado por aquele momento em que desejou ter um DeLorean, não apenas, como dito acima, porque é superbacana um carro que abre as portas para cima, mas porque era um carro com o capacitador de fluxo que tornava possível viajar no tempo. Ir para o passado para consertar algum erro que te afetou diretamente (aquele cartão de inscrição para o vestibular que marcava Jornalismo e poderia ser tornar Engenharia, aquele dia que você tava andando de bicicleta descendo o morro do seu bairro e em vez de usar o freio de trás usou o da frente, fazendo com que a bicicleta rodopiasse e caísse por cima de você, enquanto você se arrastava no chão de paralelepipedo e ferrava seriamente o tornozelo, que nunca mais voltaria a ser o mesmo, acabando com qualquer possibilidade, ainda que remota, de se tornar zagueiro do São Paulo, aquela vez que você titubeou e não pegou aquela mina quando ela claramente tava te dando muito mole e que poderia ser o amor da sua vida) ou para arrumar um jeito de ficar rico jogando na loteria e mudando completamente a sua vida. Ir para o futuro para conferir se aquela empresa que você estava tentando abrir era mesmo o caminho ou apenas perda de tempo, ou ver se aquele relacionamento que você estava começando ia dar em alguma coisa ou seria só mais uma dor de cabeça.

De qualquer jeito que você vislumbre a viagem no tempo, ela quer dizer no fim apenas uma coisa: um desconforto com suas escolhas do presente. Ainda que fosse apenas para assistir a um show de sua banda preferida que não existe mais, ou a uma final de Copa do Mundo que você não pode presenciar, ou mesmo nas intenções mais pacifistas e humanitárias (o clichê “voltar no tempo para salvar o mundo de Hitler” – como se só pelo fato de você voltar no tempo te tornasse onipotente, né?), tudo isso só aponta para o fato de que você pensa que seu presente e sua vida, de algum modo, poderiam ser melhores do que de fato são. E aí, como não existe um DeLorean (sério, gente, é um carro com portas que abrem para cima, eu nunca vou superar isso) para voltar mudar seu passado, a reação natural é ponderar sobre cada possível consequência de qualquer escolha futura.

É esse pensamento que fica na minha cabeça sempre que eu tenho que tomar uma decisão. O problema é que comigo isso acaba tomando proporções um pouco drásticas. Um simples convite para tomar uma cerveja com os amigos pode desencadear na minha cabeça uma série de eventos que podem me levar a uma vida afortunada e bem-sucedida bem como a um futuro negro e fracassado. Pode parecer dramático, mas refleti bastante sobre isso no último dia 06 de julho. Para as pessoas que dedicam seu tempo a coisas mais nobres que curiosidades sobre os Beatles, essa é a data do primeiro encontro entre Paul e John. Era um sábado, e um amigo do Paul o convidou para ir numa festinha que tava rolando em Liverpool, onde a primeira banda do John tava fazendo um show. Eles se encontraram, o Paul se impressionou com a presença de palco do John, o John ficou encantado com a habilidade do Paul, mesmo canhoto, tocando um violão ajeitado para destros, e aí foi quando tudo começou.


Eu ouço essa história e tudo que vem a minha cabeça é: imagina se o Paul decidisse recusar o convite? Não, sério. Imagina se ele chega pro parceiro dele e manda “po, nem vou não, vou ficar de boa aqui em casa mesmo”. Adeus Paul e John, adeus Beatles, adeus rock, adeus melhores linhas de baixo do mundo, adeus White Album, adeus  minha garganta ficando rouca de tanto gritar NA NA NA NA NA NA NA HEY JUDE. Eu não gosto nem de pensar. E, ok, eu sei que eu estou exagerando, mas guardadas as devidas proporções, e se uma simples recusa a um convite ou uma ida equivocada a qualquer lugar me turar do caminho dos meus Beatles?

O Dan Stulbach (também conhecido como “o cara da Globo que parece o Tom Hanks”) disse uma vez que a vida ”é sempre uma causa perdida, porque sempre existirão outras coisas, outras possibilidades e outras vidas”. Ou seja, que Mick Jagger estava certo e a satisfação é mesmo difícil de conseguir. Que sempre vamos ponderar se por outro caminho seríamos mais felizes, mais ricos, mais bonitos, mais amados. Parece uma visão meio negativa e pessimista, e talvez seja mesmo. Mas a boa notícia é que isso é algo comum à “condição humana”. Refletir sobre essa crise existencial me parece um exercício pelo qual todo mundo passa, vez ou outra. Angústia e incerteza fazem parte do processo, por mais triste que possa parecer. É preciso saber conviver e até quem sabe tirar proveito, já que a insatisfação pode te tirar da inércia e fazer correr atrás de alguns sonhos e objetivos. O importante mesmo é não deixar isso tomar conta. Não ser tão passivo a ponto de considerar que não vale a pena se esforçar, mas também não tão paranóico a ponto de temer qualquer decisão.


E, bem, se no caminho tiver vontade de ter um DeLorean, é normal. Você, por exemplo, poderia usar para voltar no tempo 10 minutos e não ter perdido seu precioso tempo lendo este texto.

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